As coisas não acontecem por acaso… excepto este nosso novo blog!

Somos duas colegas ‘de números’ que partilham uma paixão comum: a escrita! Ambas gostamos de escrever e de ‘devorar’ livros como se não houvesse amanhã e, numa conversa que pensávamos ser inconsequente, desafiámo-nos uma à outra para escrever ‘Histórias a Quatro Mãos’…

O que nos propomos fazer é muito simples: vamos escrever histórias, em parceria improvável, testando os limites e a imaginação de cada uma. Cada uma de nós vai ser desafiada pela outra a dar seguimento a uma narrativa, cujo final será sempre um mistério, quer para as autoras, quer para os leitores.

Convidamos os nossos seguidores a irem opinando sobre o que vão lendo e dando sugestões.

Esperamos que seguir este blog seja uma experiência tão interessante quanto certamente será escrever tudo o que aqui irão ler!

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

21 - Verdade ou mentira

Daniel sentia-se cansado, não dormira nada na noite anterior, e na viagem de táxi em que via a cidade que nunca dorme a pass
ar na janela já só conseguia pensar no seu quarto de hotel. Quando chegou à morada que a assistente da sua empresa lhe tinha indicado, um rapaz fardado veio ter com ele, cumprimentou-o cordialmente e pegou na bagagem que o taxista lhe passou. Depois indicou-lhe  onde ficava a recepção e seguiu com as malas dele no elevador, talvez para o quarto, pensou. Ele achou o hotel luxuoso demais para uma simples viagem de negócios, mas não se queixou, obviamente. Retribuiu a simpatia dos funcionários, tratando do check-in o mais rapidamente que pode. Tudo que queria era deitar-se, relaxar um pouco antes de deitar mãos ao trabalho.
Contudo, quando se encontrou sozinho no seu elegante e confortável quarto de hotel, o primeiro pensamento que lhe passou pela cabeça foi ler o email da Anna. As suas bagagens já estava guardadas no armário. Daniel tirou o seu portátil do trólei e sentou-se à secretária.

Assunto: Mara
Daniel, já nos conhecemos bastante bem, o suficiente para eu te poder chamar de grandessíssimo mentiroso. A Mara ficou arrasada com o postal de mau gosto que lhe enviaste e a fazer um esforço para fazer o que lhe impuseste. Mas eu sei que nada do que lhe disseste é verdade! E tu também! Quem estás a tentar enganar? Das duas uma…ou conheceste alguém ou queres conhecer ou és um idiota. Bem, devia ser mais “das três uma”. Pensa bem no que estas a fazer com a Mara e contigo. A distância já de si é cruel, mas perder um amigo é estúpido!
Prepara-te que quando eu te for visitar aí vais ouvir das boas.
Fica bem, Daniel.
Anna

Daniel não sabia o que pensar. Ele tinha as suas razões para ter escrito aquele postal e a Anna podia não acreditar, mas fora com o objectivo de poupar Mara de sofrer. Saberia lá Anna o quanto lhe custara enviar-lhe aquelas palavras!

Perdera totalmente a  vontade de se deitar. Pegou no seu trólei e saiu para trabalhar. No fundo fora para isso que ele viajara até ali.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

20 - JFK


O voo para Nova Iorque fora uma viagem solitária para Daniel. Mas ele aproveitara para ler um livro, uma coisa que já não fazia há muito tempo, para ouvir os últimos sucessos da música brasileira que o seu colega Rodolfo lhe tinha gravado no IPod e para pensar nas voltas que a vida dá.
Ele estava a caminho de Nova Iorque.
Inevitavelmente o seu pensamento atravessou o Atlântico e foi ter com Mara. Nova Iorque sempre fora uma cidade com que eles sonhavam. O que é que ela diria se soubesse que ele estava a caminho? Ia certamente fazer-lhe um roteiro turístico, assinalando num mapa todos aqueles lugares que ela queria visitar, obrigá-lo-ia a ir a todos esses sítios e a fazer-lhe um relato detalhado, quando regressasse, do que tinha visto, do que tinha sentido, do que tinha comido. Mara era assim. E ele tinha saudades dela.
Como estaria ela? Há já alguns dias que Anna lhe enviara um e-mail que ele ainda não tinha tido a coragem necessária de abrir para ler. O título do e-mail era simplesmente: Mara. O seu receio de ler o conteúdo era maior do que a sua curiosidade, mas com as suas recordações e com a saudade, decidiu que a primeira coisa que iria fazer assim que chegasse ao hotel, seria ligar o seu portátil e ler o e-mail. Podia ser que Anna lhe estivesse a enviar notícias de Mara e não o raspanete que ele esperava – com certeza ela sabia do postal. E Anna não perdoava nada!
Ouviu finalmente o comandante a anunciar a eminente aterragem no aeroporto JFK em Nova Iorque. Apertou o cinto e encostou-se no seu assento. Pela primeira vez desde que o seu chefe lhe comunicara que teria que viajar até Nova Iorque, estava a sentir-se entusiasmado com a ideia. Sorriu, fechou os olhos e sentiu um nervoso miudinho a borbulhar na sua barriga. Apesar de não saber bem porquê…

sexta-feira, 26 de julho de 2013

19 - No ar

Desde o incidente do beijo que Mara e John falavam apenas o essencial, tanto no trabalho como na aula de salsa. Parecia que aquele beijo não havia existido, ou melhor, esse beijo acontecera e criara um muro que crescia entre eles. John mostrava-se sério e distante. Talvez estivesse apenas ocupado e preocupado com a ida a Nova York na segunda-feira. Por seu lado, Mara  evitava cruzar o seu olhar com o dele. Andava confusa e a distância forçada que tinha de manter de Daniel andava a consumi-la.
O fim de semana de Mara foi passado por casa, já que o tempo não andava famoso e a sua vontade de enfrentar o mundo exterior evaporava-se. Anna ainda tentou convidá-la para ir jantar lá a casa, mas ela assim que soube que John também ia, rejeitou o convite sem hesitar. Decidira concentrar-se por algum tempo de corpo e alma ao trabalho. Poderia ser que a ajudasse a aligeirar o peso e dúvidas que sentia.
No domingo, aproveitou a chuva lá fora para preparar as malas. Teria que levar para Nova York roupa um tanto ou quanto formal para as reuniões e feiras e não se podia esquecer de nada. Lembrou-se de acrescentar alguns rascunhos de capas de livros em que estava a trabalhar para se dedicar nas horas vagas. A Mara não queria pensar muito nos dias que se iriam seguir. Não tanto pela viagem pela qual até estava bastante animada. Ela adorava Nova York e estava ansiosa por passear pela cidade sempre que se conseguisse livrar de John. O que a angustiava mais era mesmo a presença de John a seu lado nessa viagem. Mas porque se havia de sentir assim? Recriminava-se. Ela e John eram amigos, apesar de tudo, e ele sempre fora impecável com ela. Contudo, desde aquele estúpido episódio no gabinete dela que John lhe parecia outra pessoa.

Era já segunda-feira e um longo voo esperava-os pela frente. John fora buscar Mara a casa de táxi e estavam agora os dois sentados lado a lado à espera para embarcar.
- Mara, chegaste a ler os ficheiros que te enviei no sábado para estudares? – perguntou ele ensonado.
- Sim, não te preocupes que analisei bem os dados para a reunião de hoje à tarde. – respondeu ela secamente, levando um pouco a mal o modo de superioridade com que John lhe falara. Ou estaria ela a imaginar? Depois acrescentou. – E tu viste com a Sarah a questão do hotel? Parece que à última da hora houve uns problemas com a reserva…ela tentou falar comigo, mas não percebi nada.
- Sim, está tudo como planeei.
A voz suave da funcionária loira da companhia anunciou o inicio do embarque e a Mara inspirou fundo pensando nas horas que ainda teria de aguentar John ao seu lado. Entraram juntamente com todos os turistas e executivos no avião e ajeitaram-se nos seus lugares. Já não havia escapatória, iriam efectivamente juntos para Nova York.
- É verdade, Mara, há uma questão importante que queria falar contigo.
 

terça-feira, 21 de maio de 2013

18 - Entretanto, do outro lado do Atlântico...

Do outro lado do Atlântico, Daniel adaptava-se tranquilamente à sua nova vida! A Cidade Maravilhosa tinha-o acolhido de braços abertos. Ele já tinha estabelecido uma nova rotina e cada dia de trabalho era um profundo prazer. Realmente ter aceitado aquele desafio e agarrado a oportunidade com toda a garra, tinha sido o que melhor poderia ter feito.
O Gabinete de Engenharia e Arquitectura onde trabalhava situava-se bem no centro do Rio de Janeiro. Era uma equipa jovem e muito dinâmica, pelo que tinha criado de imediato uma grande empatia com todos os seus colegas. Já estava no Rio há mais de uma semana! Era inacreditável como tinha passado tão pouco tempo desde que partira de Londres em direcção a uma nova realidade. Parecia ter sido há mais tempo.
- Bom dia! – Daniel cumprimentou os colegas, ao entrar no espaço aberto que partilhavam no escritório. De imediato percebeu alguma movimentação no gabinete do chefe, com a secretária e alguns colegas a entrar e sair, mas sentou-se para dar início a mais um dia de trabalho.
Rodolfo, o seu colega do lado, vagarosamente deslocou a cadeira na direcção de Daniel e sussurrou a Daniel da forma mais discreta possível:
- Só para estares atento… o chefe vai chamar-te hoje. Parece-me que precisa de voluntários para um congresso na próxima semana.
Daniel sorriu. Agradeceu o aviso ao colega, mas de imediato pensou que seria pouco provável o chefe lembrar-se dele, o mais novo membro da equipa, recém-chegado. Foi com alguma surpresa que quase em simultâneo, o seu telefone tocou e que viu no visor do telefone o nome do chefe.
- Bom dia Daniel. – falou o Engenheiro Gustavo, o chefe de Daniel e Director Geral da empresa – Tem uns minutos que me possa dispensar?
- Claro que sim. – respondeu Daniel. – Irei de imediato ter consigo.
Não tardou muito a chegar à sala do seu chefe, alimentando com a sua contribuição a roda-viva de entradas e saídas que se podia ver ali naquela manhã. O Engenheiro Gustavo foi bastante franco e directo, explicando a Daniel que precisava de alguém que fosse a um congresso em Nova Iorque na semana seguinte, uma vez que ele próprio não podia ir pois estava a ultimar os preparativos para o casamento do seu filho e, ao mesmo tempo, havia um projecto a envolver grande parte dos recursos da empresa, cuja data de entrega seria no decorrer da semana seguinte. Daniel compreendeu logo que, tendo acabado de chegar, não tinha condições de recusar, pelo que assentiu de imediato.
- Eu sei que é em cima da hora, Daniel, e sinto-me um pouco constrangido em estar a pedir-lhe a si, que mal chegou e já tem que viajar outra vez. Mas é bom para si! – explicou o seu chefe de uma forma bastante franca – É uma oportunidade de conhecer colegas um pouco de todo o mundo e partilhar a sua experiência! E, claro, caso ainda não conheça a cidade, de visitar Nova Iorque!
- E quando tenho que ir? Quanto tempo durará o congresso? – perguntou Daniel, tentando organizar-se mentalmente para partir na semana seguinte, uma vez que Rodolfo já o tinha avisado.
- Na próxima segunda-feira. Será coisa para a semana inteira. – respondeu o seu chefe, já dando a conversa por terminada, procurando um contacto no seu telemóvel – Tem o fim-de-semana para descansar e para se organizar. Vá ter com a Eva, que ela já tem todas as indicações para marcar o voo e o hotel para si. Obrigada pela sua disponibilidade, Daniel. Fico-lhe muito grato!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

17 - Tudo muda...

 Arrebatada pela excitação que crescia galopante, sentiu a razão abandonar o seu corpo. Já não era a sua mente que o comandava. Era a sua pele, que ardia, os seus braços, que o envolviam. Mara pensava lutar consigo mesma para acabar com aquele envolvimento, mas, a cada tentativa, o seu corpo ficava cada vez mais próximo do de John, como areias movediças! Sentia-se comprimir contra a sua secretária, sentia a força de John, o seu desejo descontrolado. Ia desistir de lutar contra esse fervor que a consumia por dentro, deixar-se levar. Mas John interrompeu o beijo profundo que os unia, passou levemente suas mãos desde as ancas de Mara até ao seu rosto fixando os seus olhos, hipnotizando-a. Um arrepio delicioso percorreu-a. Paralisada, Mara sentia a sua razão regressar aos poucos, mas os tremores que percorriam seu corpo não haviam amainado.
Nunca vira John daquela forma, tão física, tão íntima. À medida que a razão ia tomando conta dela novamente, o rubor do seu rosto voltava. Que estavam eles a fazer? Mara não sabia, mas John parecia confiante demais, seguro dos seus actos, certo do seu poder sobre ela. Afastou-se de Mara dirigindo-se calmamente para a porta. Mara permaneceu encostada à sua secretária, com receio de que suas pernas a denunciassem, revelassem a sua fraqueza.
- Suponho que a Sarah já te avisou – disse John como se nada se tivesse passado – Segunda-feira partimos para Nova York. Temos uma reunião para negociar a importação de alguns títulos.
Era uma ordem, não um pedido. Mas John não tinha o direito! Pensou ela. Mara era agora sócia, não sua subalterna. Quem era aquele homem que desaparecia pela porta do seu gabinete e o que fizera ele ao John que ela conhecia? Poderia uma pessoa ter mais do que uma faceta, como nos muitos livros que analisava? Talvez John estivesse fora de si e no dia seguinte tudo mudasse.
Sim, de uma coisa Mara estava certa, depois de ter sentido aos mãos de John cravadas no seu corpo (todo ele), de se ter perdido no seu beijo arrojado, nada mais seria igual. Pelo menos não para ela. Ainda não decidira bem como as coisas tinham mudado, mas também duvidava que a razão e decisões conscientes tivessem algo a ver com a sua situação. Naquele momento, para ela, John pertencia ao mundo do irracional.
Mara pegou novamente nas suas coisas e deixou o escritório. Para já não queria pensar na viagem a Nova York e na irritação que esta agora lhe provocava. Teria um par de dias para esquecer todo o incidente e cingir John apenas ao mundo profissional. Indagava-se se ele faria o mesmo.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

16 - Um final de dia inesperado... ou não...

Pareceu a Mara que John passara pela porta do seu gabinete como um furacão, pois quando se apercebeu da sua saudação e olhou lá para fora, já nem sequer o viu, mas viu Sarah a passar carregada de pastas e segui-lo. Segundos depois ouviu a porta dele fechar-se com um estrondo.
Mara ficou atrapalhada perante Robert, e não teve outra reacção senão encolher os ombros.
- Bem Robert, entrego-lhe então o cartão que lhe pertence e ajudo-o a levar para o seu atelier estas flores lindíssimas. Peço-lhe imensa desculpa por não lhe ter dito nada durante o dia, mas de facto foi impossível – tive um dia de loucos!
- Ora essa, Mara! Não tem problema nenhum… parece-me que vou ter mesmo é uma missão pela frente de descobrir quem é que me admira assim tanto ao ponto de fazer uma coisa destas!
Ambos riram, encaminhando-se para a porta, levando algumas jarras de flores com eles. Juntos, ainda fizeram três viagens de transporte de flores para o seu destino final, rindo e conversando amigavelmente. Quando Mara pousou as últimas flores em cima da mesa de Robert, este disse:
- Obrigada pela ajuda, Mara. No entanto tenho que lhe dizer que, para mim, o ponto alto do dia foi ter recebido o telefonema da sua assistente e ter tido a oportunidade de conhecê-la a si… a Mara é um encanto! Não estranhe se um dia lhe encherem também o seu gabinete de flores…
Mara corou com o elogio – o que é que se passava com ela, que ultimamente parecia exercer um poder de atracção com todos os homens que a rodeavam? Despediu-se, meia atrapalhada, e desceu ao andar de baixo, pronta para colocar um ponto final no seu dia de trabalho. Ao chegar à porta da Booky, encontrou Sarah de saída que, mal a viu, suspirou e revirou os olhos:
- Aviso-te já que ele está mal-disposto! – disse Sarah, rebuscando ao mesmo tempo a sua mala, aparentemente à procura de algo – Não sei o que é que lhe deu, mas entrou aqui e parecia bem disposto, atravessou o corredor e quando o reencontrei já no gabinete dele, estava com a mão na porta à minha espera, de cara zangada e de seguida bateu a porta! Ah! Está aqui o meu telemóvel! Que cabeça a minha! – exclamou, exibindo a Mara o seu troféu electrónico - Olha, pediu para falar contigo antes de saíres… boa sorte! Com aquele mau humor, espero que não te contagie a ti também! Até amanhã!
Mara sentiu-se subitamente nervosa. Balbuciou um ‘Até amanhã’ a Sarah e dirigiu-se ao seu gabinete com passos lentos. De alguma forma estava a tentar ganhar tempo, pois durante todo o dia não tinha pensado como iria reagir ao encontrar-se com John. Começava a ficar ansiosa e veio-lhe logo à cabeça os acontecimentos da noite anterior e o beijo trocado com John. Mara sentou-se à secretária e levou inconscientemente as mãos aos lábios. Desligou o seu computador, arrumou as suas coisas, meteu na sua pasta um manuscrito novo para começar a ler à noite a pedido de John, projectando já na sua mente o design da capa tendo em conta o título provisório e, quando finalmente achava que estava pronta para enfrentar John, viu-o parado à entrada do seu gabinete, descontraidamente com as mãos nos bolsos e encostado à soleira da porta, observando-a.
- Pensava que já tinhas saído. – disse ele finalmente, sorrindo. Estava claramente com um ar cansado. O que lhe dava um ar estranhamente… sensual, pensou Mara.
- Há quanto tempo estás aí? – perguntou Mara, sentindo o seu coração acelerar, e o seu rosto a ficar corado, remexendo nervosamente em alguns papéis em cima da sua secretária, na tentativa de quebrar a troca de olhares. Nunca antes tinha dado conta que John era tão atraente. Para ela, ele era simplesmente seu amigo e irmão da sua amiga Anna. Quando é que ele tinha ficado com um sorriso tão cativante? Desde quando é que ele era tão… giro?
- Há tempo suficiente. – disse John, entrando no gabinete dela e aproximando-se da sua secretária. – O que é que aconteceu a todas as flores que estavam aqui há pouco?
- Nem vais acreditar! É uma longa história. – afirmou Mara, sentindo-se nervosa com a proximidade dele, e começando a falar algo atabalhoadamente, que não era nada seu hábito – Foi um mal entendido terem vindo aqui parar, mas o que importa realmente é que já estão no piso de cima, no gabinete de um dos arquitectos, que era efectivamente o verdadeiro destino delas! De facto, com o transporte das flores para cima, nem me dei conta das horas. Já é tarde, vou ter mesmo que sair, mas a Sarah disse-me que tu querias…
Ela nem se apercebeu, no meio do seu discurso nervoso, que John se tinha aproximado ainda mais e que não a tinha deixado acabar a frase, tocando no seu rosto delicadamente para o levantar e selando as palavras dela com um beijo. Desta vez, não tão leve e casto como o da noite anterior, mas sim cheio de desejo. Mara abandonou finalmente as suas defesas e deixou-se levar. Instintivamente rodeou o pescoço dele com os seus braços e nada mais existia à sua volta senão ela e ele, juntos, naquele momento.

15 - Surpresas

 O envelope estava em branco, mas a letra da mensagem que trazia lá dentro era rebuscada e elegante.
“ Querido Robert, recebe estas flores como prova do meu encantamento por ti. Todos as manhãs enches o meu coração de felicidade. Só de te ver! Imagino como será quando ganhar coragem para falar contigo! Um beijo doce da tua admiradora”
Bem, a letra rocambolesca pertencia não a um admirador de Mara, mas a uma admiradora de Robert. Mara sentiu-se uma idiota por pensar que todas aquelas flores eram para ela. Eram para um tal Robert. Mas que Robert? E porque se enganou o florista deixando perfumado o seu gabinete? Sarah estava à porta do gabinete ansiosa por saber de quem era a surpresa. Não tardou a ficar desiludida quando percebeu que toda aquela demonstração de carinho, afeição, amor, não eram para Mara. Todas as histórias românticas que brotavam no seu pensamento segundos antes sofreram de uma morte súbita e deprimente.
Quando Mara lhe perguntou se conhecia algum Robert no edifício, Sarah, que conhece tudo e todos, indicou-lhe logo Robert Feist do gabinete de arquitectura que ficava mesmo por cima do escritório deles. Talvez o florista ou a admiradora, ao que parece envergonhada, se tivessem enganado no piso. Mara decidiu que iria ao gabinete do tal Robert para lhe explicar o equivoco e revelar a surpresa que tão fervorosamente a ele lhe era destinada. Mas mais ao final da tarde. Ainda tinha muito trabalho para despachar até então e um telefonema prometido a Anna.
Por entre análises de originais, preparativos para lançamentos de obras e muitos emails para responder, Mara ficou a saber que a urgência de Anna era um convite para jantar em casa dela nessa sexta-feira. Sinceramente! Se um dia Anna lhe ligasse com uma verdadeira urgência, corria o risco de Mara não acreditar. Aceitou o convite, tendo ficado de levar uma tarte de maçã e dois CD’s de musica Jazz que Sarah lhe pedira emprestados.
A sua tarde tinha sido mais longa do que contava. Talvez Robert Feist já não estivesse no seu gabinete aquela hora, mas mesmo assim pediu a Sarah que tentasse contactá-lo e lhe pedisse que descesse ao seu gabinete. Ouviu a voz animada da assistente falando ao telefone e, pelo seu tom, tivera não só sucesso em apanhá-lo no escritório, como em convencê-lo a descer sem saber o motivo.
Mara ainda teve tempo para ultimar um email de resposta a um aspirante a escritor que acabava de ser rejeitado antes que um Robert diferente do que imaginara aparecesse à porta do seu gabinete. Robert Feist, o arquitecto, não tinha barriga redonda nem blaser de xadrez, mas acertara no cabelo grisalho.
- Boa tarde! Mara? – perguntou ele.
- Sim, sim, sou a Mara. Entre, entre! – disse Mara sem conseguir evitar um sorriso de gozo ao ver a expressão um pouco embasbacada de Robert ao ver a decoração exageradamente colorida e perfumada do seu gabinete. – Para uma pessoa ligada à arquitectura e decoração suponho que não aprove o estilo do meu gabinete!
Robert continuava ligeiramente boquiaberto apreciando o jardim interior com que se deparava. Apertou a mão que Mara lhe estendera dizendo:
- A minha especialidade não é arquitectura paisagística, mas certamente eu não teria feito o projecto assim! – respondeu-lhe Robert com boa disposição.
- Pois, mas olhe que esta decoração peculiar deve-se a si, Robert.
- A mim! Não percebo.
Mara estendeu-lhe o bilhete que encontrara horas antes na sua secretária e explicou:
- Todas estas flores lindas são para si. Um presente da sua admiradora desconhecida. Bem, pelo menos para mim. O Robert talvez a conheça!
Enquanto lia o bilhete ele abanava a cabeça divertido.
- Não, honestamente, não faço ideia de quem sejam!
Mara ia dar-lhe algumas pistas para descobrir a autoria daquela surpresa (seria alguém que costuma vir com ele no metro, alguém do trabalho…), mas foram interrompidos por um “Boa noite” mal humorado de John que acabara de chegar ao escritório.